sábado, 2 de novembro de 2019


Laranjas descascadas

O tempo passa depressa demais, sem nosso controle, por mais que tenhamos os olhos postos nos relógios, ou mesmo que usemos outras formas de monitorar o tempo que passa veloz. Costumava dizer aos meus alunos, que o tempo é um bem inelástico, e que não temos o poder de voltarmos atrás para realizar algo que esquecemos, ou mesmo acrescentar mais uma hora ao dia, porque ainda não acabamos as tarefas que desejávamos realizar.
Essa introdução é para dizer-lhes o quanto valorizo o tempo hoje, certamente muito mais do que fiz no passado, quando era bem mais novo. Às vésperas de fazer setenta anos – na verdade daqui a cerca de cem dias – ainda penso em realizar alguns projetos, que foram adiados enquanto o tempo passava, e eu realizava outros, ou apenas gastava o tempo correndo atrás de uma melhor estabilidade financeira. Mas tudo bem, a vida é assim mesmo, faz-se uma coisa, deixam-se outras para outro dia, ou outro tempo. Como nos dia a Bíblia Sagrada (Ec. 3:1-8): “Tudo tem o seu tempo determinado, e há tempo para todo o propósito debaixo do céu: (...)”.
Hoje, repito o gesto de meu saudoso pai, descasco uma laranja após o almoço, às vezes também após o jantar, para compartilhar com a minha rainha. Não é racionamento ou controle demasiado no consumo, é de propósito, oportunidade de compartilharmos até mesmo a sobremesa, uma forma de carinho.
Já adulto, no início dos anos 90, costumava frequentar a casa de meus pais, que à época, morávamos no mesmo prédio, no Méier. Algumas vezes, fiquei prestando atenção como o meu pai descascava pacientemente uma laranja, retirando toda a pele que reveste o fruto, para dividir com minha mãe. Outras vezes era uma laranja para cada um, mas era ele quem descascava ambas. Não sei o quanto minha mãe valorizava esse gesto, mas estou certo de que ele fazia isso como um gesto de carinho para ela. Esse gesto me marcou a lembrança e, hoje, o faço com prazer redobrado, sempre me lembrando dele, meu saudoso pai.
Existem gestos ou formas de se expressar que as pessoas deixam na nossa vida. São marcas, identidades incomparáveis, que o tempo não apaga. Quem não se lembra de amigos ou apenas conhecidos de infância que, esquecemos os nomes, mas nos lembramos deles por um cacoete, algo inusitado que falou num dia específico, de uma forma de gargalhar exótica, de um jeito de cumprimentar, e por ai afora?
Deixamos marcas por onde passamos, para o bem ou para o mal. Somos como as águas dos rios, levam um pouco do leito e das margens, mas deixam um pouco delas por onde passa. Quantas pessoas impactamos com a nossa presença? Quantas pessoas marcamos, de forma profunda, com as nossas queixas, brigas ou gestos de pacificação? Ninguém passa nesta vida sem deixar um tanto de si mesmo. E assim, com essa pequena história, procuro destacar aquele gesto do Seu Rubens, como era conhecido, como marcou minha vida e, ainda assim, deixou marcas que ainda repito, com muito prazer. Às vésperas do dia de finados, só uma expressão para terminar: Saudades, meu pai.
01 Nov. 2019.


Perdeu, playboy!

O Zé mora numa subidinha em Jacarepaguá, um típico bairro família, aqui no Rio de Janeiro. O bairro já foi mais calmo, mais bucólico, agora já não é tão assim. Clima agradável, vizinhança amiga e, quando aparece algum estranho por lá todo mundo fica de olho. Numa certa manhã o Zé preparou no capricho duas sacolas plásticas, bem cheias, com muito cuidado, para que não se rasgassem ao transportar, ainda que fosse levar para perto de casa. Tudo pronto, Zé saiu de casa, trancou o portão e começou descer a ladeira vagarosamente. Era cedo, antes das seis da manhã. O sol começa a dar a sua cara, ainda preguiçoso, de mais um dia de inverso carioca. Sabe como é inverno carioca, é com a temperatura na casa dos 18°C, e já todo carioca tira o casaco com naftalinas do armário. Assim estava o Zé, paramentado para fazer sua obrigação. Fechou o portão e começou a caminhada ao seu destino. Não andava mais rápido porque a idade já não ajuda mais correria. Eis que, do nada, Zé escuta que vem alguém descendo também atrás dele e, do nada, a pessoa arranca-lhe as duas sacolas carregadas por trás dele e desce correndo a ladeira. O Zé ficou sem ação. Não esperava por isso, nem teve reação para correr atrás do meliante. Só o ouviu gritar: Perdeu, playboy! O Zé parou sua descida e ficou olhando o meliante descer na desabalada carreira. Ao chegar ao pé da ladeira, há uns trezentos metros, se tanto, de onde estava o Zé, o pilantra de plantão resolveu colocar as sacolas no chão e abri-las para avaliar o valor do ganho, que não deveria ser pouco, considerando-se o peso que carregava. Qual não foi a surpresa do pilantra, dentro de uma e da outra sacola, apenas o lixo de casa, restos de comida, cocô dos cachorros, e outras porcarias, acumulados de uma semana. Depois de uma dezena de impropérios, e com os dois dedos médios das mãos, gesticulando para o Zé, que ainda estava parado na ladeira, o ladrãozinho de meia-tigela, jogou toda aquela porcaria numa caçamba da COMLURB estacionada na esquina, e seguiu em frente chutando uma garrafa PET, enquanto isso o Zé, virando-se para o alto da ladeira, foi retornando para o seu sossegado lar, sem antes se lembrar da primeira expressão que ouviu naquela manhã: Perdeu, playboy! E, sorrindo repetiu: É, você perdeu, payboy!
11 set. 2019.

terça-feira, 22 de outubro de 2019


O Treinador

Os dois filhos gêmeos de Roberto, Alfredinho e Francisco, com pouco mais de seis anos, não passam um dia sequer, em não pedissem ao pai pra comprar um cachorro. Esse desejo dos meninos nasceu no dia em que a família foi à Teresópolis, na famosa Feirinha, na entrada da cidade, no Alto, e lá viram uma exposição e doação e venda de cães. Ali acabou a viagem, os meninos não falaram de outra coisa. Até na hora do almoço na área de alimentação da Feirinha, os guris birravam pra comer se o pai não comprasse um cachorrinho. Até nome os garotos escolheram, Campeão, para o canino esperado, mas que não foi ainda naquele dia. Os meninos desceram para o Rio ao fim da tarde, resmungando no carro, choramingando, todos os dois emburrados. Luzia, a mãe, insistia com os garotos para pararem com aquilo, explicando que moravam em um apartamento na Tijuca, com apenas dois quartos, e que um cachorro era um problema a mais para o espaço pequeno. Para os gêmeos nada fazia sentido, eles queriam um cachorro. O Alfredinho até apelou: - Vou pedir para a minha avó, ela vai comprar pra mim. Roberto, dirigindo e cansado daquela cantilena alertou: - Só se ele ficar na casa da sua avó. Lá em casa nem pensar. E lá veio o berreiro dos dois. Bem, finalmente chagaram na em casa e, mais do que depressa a Luzia tocou os dois para o banheiro para o banho. E aí a história de comprar um cachorro foi passando, a noite chegou, com ele o sono, o domingo acabando, e o problema do canino, pelo menos adiado sine die. Amanheceu segunda-feira, Luzia acordou os meninos para a escola. Colocou o café na mesa, a merenda preparada, o uniforme preparado para os meninos, e as mochilas prontas para mais uma semana. Foram chegando na mesa para o café e o Francisquinho começou com a história do Campeão. Papai, disse o Francisco, sonhei com ele, ele é pretinho com o focinho, e ponta das orelhas, e as patinhas brancas. Ele até me reconheceu, papai. Ele me perguntou que dia ele vem aqui pra casa. O Roberto, parou de mastigar o sanduiche, olhou bem sério nos olhos do Francisco e mandou: - Quando você sonhar novamente com ele, diz pra ele que nunca, nunquinha, ele vem morar aqui, quem sabe ele não desiste de morar com a gente. Novo berreiro acabou com a paz no café da manhã. Luzia, para pacificar a casa, tratou de retirar os meninos da cozinha e levou-os para vestirem os uniformes da escola. O clima da semana começou sinistro. No carro Roberto ficou calado. Aliás, o silêncio era quase absoluto, só interrompido pelas fungadas de narizes dos meninos, do que sobrou dos choros. Deixados na escola, voltavam no carro para que o Roberto deixasse a mulher no trabalho e fosse para o escritório de advocacia, com uma semana cheia de trabalho no Fórum. Luzia resolveu interromper a paz do silêncio comentando com Roberto: - Meu bem, você não precisava falar daquele jeito para os meninos, eles ficaram muito magoados. Silêncio e mais silêncio. Até que ela pergunta, insistindo: - Você escutou o que eu falei, Roberto? Mais silêncio, até que ele, calmamente, mas firme, falou: - Isso tudo é culpa da sua ideia de ir lá olhar os cachorrinhos, que lindinhos. Podíamos muito bem ficarmos livres de um problema desse. Silêncio, e mais silêncio. Luzia, pensando bem na forma de apresentar sua réplica começou: - Sabe o que é, bem, é que na minha infância eu também queria tanto um cachorro, e meus pais nunca compraram um, apenas um, porque não podiam comprar, mas não é o nosso caso, nós podemos, podemos sustentar pelo menos um. Apenas o barulho do trânsito, até que Roberto comentou: - Vou pensar, não prometo nada, mas vou pensar. Só não me pressiona sobre isso, entendeu? Luzia abriu um sorrisão, encostou a cabeça no ombro do marido, e falou: - Tudo bem, amor, tudo bem. Segue-se o restante da semana e Luzia de olho nos meninos. Quando os gêmeos tentavam começar a história do cachorro novamente, ela piscava o olho para os meninos e gesticulava para ficarem de bico calado e, os garotos entendiam o recado, depois tentavam novamente. Foi terminando a semana e a história do cachorro Campeão ficou em banho-maria. No sábado, amanheceu um dia lindo, temperatura agradável, um céu de Brigadeiro, já no café surge uma ideia para preencherem o dia dos meninos. – Que tal darmos um passeio na Quinta da Boa Vista? Podemos até ir ao Zoológico. Roberto tinha outros planos. Queria levar o carro para lavar, dar um trato legal. Mas, como a semana tinha sido melhor que ele imaginava, achou melhor atender ao convite da esposa. – Tudo bem, vamos para a Quinta. Oba! Foi o grito da geral. E assim lá foram eles para a Quinta da Boa Vista, sem um roteiro muito bem definido. Ao entrarem na Quinta da Boa Vista, ali em São Cristóvão, ao encontrarem uma vaga para o estacionamento, quando foram saltar do carro com os gêmeos, imaginem, lá estava sentado, à frente do carro, um vira-lata, preto, com as pontas das orelhas, o focinho, a ponta do rabo e as patinhas brancas, balançando a cauda, como se esperasse pelas crianças. Os meninos saíram desabalados para se apegarem ao cachorro que pulava neles, lambias-os como se eles fossem seu dono de verdade. Roberto não acreditava no que estava vendo. A primeira coisa que falou: - Não é possível. Bem que eu queria levar o carro pra lavar. Não é possível. As crianças só gritavam: - Campeão! Campeão! E o prior veio a seguir: - Obrigado, papai, disse o Alfredinho. Você achou o nosso cachorro do sonho. Viva, o Campeão chegou! Roberto tentou colocar os meninos de volta no carro e fugir dali, antes que aquele encontro com o cachorro vira-latas acabasse mal para ele. Sem sucesso. A esposa também aderiu à ideia de que aquele encontro não era casual, mas coisa dos céus. Disse ela: - Está vendo, bem, os meninos têm razão, o Campeão veio ao encontro deles. Não podemos deixar o Campeão aqui. Vamos levá-lo logo, antes que apareçam outros interessados. Roberto tentou argumentar: Mulher, você está arrumando um problema sem tamanho para todos nós. Como vamos cuidar desse cão no apartamento? Ele está imundo, deve estar cheio de vermes, de pulgas, de sarnas. A esposa, agora cúmplice dos meninos, saiu com a solução imediata. – É mesmo, disse ela: vamos levá-lo agora para um veterinário, e cuidar com carinho do Campeão, e assim que ele estiver bem, levamos ele para  casa. Vocês não concordam meninos? Um coro, uníssono se fez, claro sem o som do Roberto, mas quem se importou. Conclusão, entraram todos de volta no carro, agora com um passageiro a mais, o Campeão, no banco de trás, com seu cheiro característico da rua, seu pelo seboso, mas com sua alegria de cauda frenética, entre os gêmeos, que era só alegria. Da Quinta da Boa Vista foram procurar uma clínica veterinária perto da casa do Roberto. O mau humor de Roberto foi se arrefecendo pela alegria da família. Na clínica o diagnóstico inicial foi de que o animal não estava tão ruim quanto o esperado. Exames clínicos, raios-X, exames de laboratório e complementares foram providenciados para que o animal pudesse ser liberado para a família. O Campeão foi deixado na clínica para as providências veterinária, e a família mudou o programa, foram parar num shopping, para almoçarem, e distraírem as crianças, que não falavam mais em outra coisa, a chegada do Campeão em casa. Quarta-feira seguinte Roberto recebeu o contato da clínica com a liberação do Campeão. Ele estava no trabalho, só podia passar na clínica ao final do dia, mas cometeu a tolice de passar um whatsapp para a esposa para dar a notícia. Pronto, o frenesi começou. A esposa se prontificou de ir buscar o Campeão de taxi. Não houve jeito de Roberto dissuadir a Luzia dessa ideia. Luzia, aproveitando que os meninos estavam na escola, foi de taxi à clínica buscar o Campeão e, para completar a surpresa, passou na escola dos meninos para pegá-los para irem juntos na clínica. Lá, depois de pagar no cartão de crédito os R$ 870,00 de exames, medicações e banho de beleza, recebeu instruções sobre os cuidados com a alimentação para com o Campeão, agora um membro da família. A clínica recomendou um treinador que, uma vez por semana, iria à residência do casal para instruí-los sobre os treinamentos para o cão se adequar ao ambiente, relacionamento com a família, e comportamentos adequados para o seu desenvolvimento. Assim, sem a presença do Roberto, ela combinou tudo, incluindo o treinador de cães, uma vez por semana. E saíram todos, Luzia e os meninos, no dia mais feliz para todos, o dia de levarem o Campeão para o apartamento de dois quartos, e cerca de 90 m². Aí começa mais uma jornada na vida da família, o dia do treinamento do Campeão, aos sábados, pela manhã. Roberto tentou escapar para um jogo de futsal com os amigos do trabalho, mas o treinador insistiu que toda a família deveria participar do treinamento do Campeão. Nenhum argumento de Roberto valeu, e ainda teve a ameaça da mulher, de ficar de mau humor se ele não participasse. E assim começaram os treinos do novo membro da família. Para complicar ainda mais a vida do Roberto, o cão obedecia mais aos comandos dele, que dos demais membros da casa. O cão se apegou mais a Roberto que propriamente dos meninos, que só queriam brincadeiras com ele. Ao final de um mês, o cão já realizava uma série de tarefas comandadas por Roberto. À ordem de bom dia, o cão sentava-se e levantava a pata direita para ser cumprimentado. Ao comando de deitado, prontamente respondia, e ainda fechava os olhos. Vigilante! O Campeão deitava rapidamente, de olhos bem abertos, em posição de ataque. Um sucesso completo. O pobre animal passou a ser exibido toda a vez que alguém chegava à casa da família, tendo que mostrar suas habilidades de cão bem treinado. Eis que, numa segunda-feira chuvosa, Roberto acordou atrasado para o trabalho e para deixar as crianças na escola. Depois da correria do café, tudo pronto, pegou a pasta executiva para sair e, quando passou pela cozinha, sentiu que alguma coisa o prendia ao chão, algo que prendia sua perna como uma algema, firme, tão firme que dava para sentir os dentes de uma fera, agarrado acima do tornozelo. Assustado, Roberto parou, gritou com o Campeão para soltá-lo. O cão liberou a perna de Roberto e, prontamente colocou-se sentado e, bem treinado levantou a pata direita, como se dissesse: - Bom dia, treinador! E assim ele ficou, até que Roberto se abaixou até o animal, e disse: - Bom dia, Campeão! Pronto, foi só alegria, o cão pulando pra todo o lado e as crianças fazendo a festa com o animal. A partir desse dia, todas as manhãs, o Campeão ficava esperando o bom dia do “treinador” Roberto. O Campeão virou uma celebridade na família.
26 set. 2019.

domingo, 20 de outubro de 2019


Perdeu, playboy!

O Zé mora numa subidinha em Jacarepaguá, um típico bairro família, aqui no Rio de Janeiro. O bairro já foi mais calmo, mais bucólico, agora já não é tão assim. Clima agradável, vizinhança amiga e, quando aparece algum estranho por lá todo mundo fica de olho. Numa certa manhã o Zé preparou no capricho duas sacolas plásticas, bem cheias, com muito cuidado, para que não se rasgassem ao transportar, ainda que fosse levar para perto de casa. Tudo pronto, Zé saiu de casa, trancou o portão e começou descer a ladeira vagarosamente. Era cedo, antes das seis da manhã. O sol começa a dar a sua cara, ainda preguiçoso, de mais um dia de inverso carioca. Sabe como é inverno carioca, é com a temperatura na casa dos 18°C, e já todo carioca tira o casaco com naftalinas do armário. Assim estava o Zé, paramentado para fazer sua obrigação. Fechou o portão e começou a caminhada ao seu destino. Não andava mais rápido porque a idade já não ajuda mais correria. Eis que, do nada, Zé escuta que vem alguém descendo atrás dele e, do nada, a pessoa arranca-lhe as duas sacolas carregadas por trás dele e desce correndo a ladeira. O Zé ficou sem ação. Não esperava por isso, nem teve reação para correr atrás do meliante. Só o ouviu gritar: Perdeu, playboy! O Zé parou sua descida e ficou olhando o meliante descer na desabalada carreira. Ao chegar ao pé da ladeira, há uns trezentos metros, se tanto, de onde estava o Zé, o pilantra de plantão resolveu colocar as sacolas no chão e abri-las para avaliar o valor do ganho, que não deveria ser pouco, considerando-se o peso que carregava. Qual não foi a surpresa do pilantra, dentro de uma e da outra sacola, apenas o lixo de casa, restos de comida, cocô dos cachorros, e outras porcarias, acumulados de uma semana. Depois de uma dezena de impropérios, e levantando as mãos, gesticulando de forma obcena para o Zé, que ainda estava parado na ladeira, o ladrãozinho de meia-tigela, jogou toda aquela porcaria numa caçamba da COMLURB estacionada na esquina, e seguiu em frente chutando uma garrafa PET, enquanto isso o Zé, virando-se para o alto da ladeira, foi retornando para o seu sossegado lar, sem antes se lembrar da primeira expressão que ouviu naquela manhã: Perdeu, playboy! E, sorrindo repetiu: É, você perdeu, payboy!
11 set. 2019.

Escritor tardio.

Por que escrever? Para quê deixar um registro impresso em tempos de WhatsApp? Fiz-me essas e outras perguntas na mesma linha de raciocínio, sem uma resposta para mim mesmo convincente.
Apenas uma angústia, que às vezes varava a madrugada sem resposta, até que, sem reconciliar o sono, me fazia levantar para ler. Lia de um tudo. Desde ciência política, a Bíblia Sagrada, meu livro de crença e fé, ou mesmo policiais, crônicas, contos ou, alguns periódicos, apenas para ocupar minha mente, e me trazer de volta o sono.
Outro dia, outra noite qualquer, tudo se repetia. Acordava para ir ao banheiro e, de volta à cama, o sono me abandonava. Surgia como um fantasma as mesmas lembranças, o mesmo desejo, o desejo de me lançar nessa aventura insana de escrever, e agora estou eu nesse delírio da escrita.
Procurei aprender algumas técnicas com consagrados escritores, lendo seus livros, prestando atenção em suas técnicas, de como eles estruturavam as ideias e pensamentos, como moldavam os cenários, como construíam os personagens.
Nenhuma ambição em particular. Em acertar da primeira vez, em encontrar um filão de inspiração que me envolva completamente. Em escrever um best-seller, mas muito medo, angústia mesmo, em perder tempo, de que já não disponho tanto, para construir um modelo de estilo próprio.
Se há algum desejo em particular, e há, é simplesmente de escrever, para deixar, se Deus me permitir, algumas ideias que tragam algum alento, ou mesmo riso interior para algum leitor. Por enquanto, é um exercício absolutamente solitário, de alguém que deseja construí um castelo, mas com medo de que ele desabe sem que se possa nele morar.
O título retrata exatamente o meu caso. Neste momento sou um aposentado, à beira dos setenta anos, depois de ter trabalhado por cerca de 55 anos, terminando a vida profissional no ensino superior, e pensei em ficar quieto em meu canto, apenas descansando e vendo o tempo passar. Estou descobrindo que, ficar descansando cansa. Cansa a mente, cheia de ideias, de histórias, de experiências vividas, de causos, aqui e acolá, que pretendo compartilhar.
Que gênero escolher para iniciar essa derradeira caminhada? Vou começar pelas crônicas, um gênero considerado menor dentro da literatura brasileira, e mesmo a universal, mas que foram brilhantemente utilizadas pelos grandes escritores da nossa língua, e da literatura universal.
Bem, decidido está. A partir desta introdução de apresentação iniciarei uma série de crônicas, sem um tema ou linha de assuntos definidos, como bem determina a técnica literária. Como encaro como um exercício mental, vamos nós nesta aventura, sem destino. Até onde? Não sei. Não quero saber, sigo em frente.
06 set. 2019.

Laranjas descascadas O tempo passa depressa demais, sem nosso controle, por mais que tenhamos os olhos postos nos relógios, ou mesmo...