terça-feira, 22 de outubro de 2019


O Treinador

Os dois filhos gêmeos de Roberto, Alfredinho e Francisco, com pouco mais de seis anos, não passam um dia sequer, em não pedissem ao pai pra comprar um cachorro. Esse desejo dos meninos nasceu no dia em que a família foi à Teresópolis, na famosa Feirinha, na entrada da cidade, no Alto, e lá viram uma exposição e doação e venda de cães. Ali acabou a viagem, os meninos não falaram de outra coisa. Até na hora do almoço na área de alimentação da Feirinha, os guris birravam pra comer se o pai não comprasse um cachorrinho. Até nome os garotos escolheram, Campeão, para o canino esperado, mas que não foi ainda naquele dia. Os meninos desceram para o Rio ao fim da tarde, resmungando no carro, choramingando, todos os dois emburrados. Luzia, a mãe, insistia com os garotos para pararem com aquilo, explicando que moravam em um apartamento na Tijuca, com apenas dois quartos, e que um cachorro era um problema a mais para o espaço pequeno. Para os gêmeos nada fazia sentido, eles queriam um cachorro. O Alfredinho até apelou: - Vou pedir para a minha avó, ela vai comprar pra mim. Roberto, dirigindo e cansado daquela cantilena alertou: - Só se ele ficar na casa da sua avó. Lá em casa nem pensar. E lá veio o berreiro dos dois. Bem, finalmente chagaram na em casa e, mais do que depressa a Luzia tocou os dois para o banheiro para o banho. E aí a história de comprar um cachorro foi passando, a noite chegou, com ele o sono, o domingo acabando, e o problema do canino, pelo menos adiado sine die. Amanheceu segunda-feira, Luzia acordou os meninos para a escola. Colocou o café na mesa, a merenda preparada, o uniforme preparado para os meninos, e as mochilas prontas para mais uma semana. Foram chegando na mesa para o café e o Francisquinho começou com a história do Campeão. Papai, disse o Francisco, sonhei com ele, ele é pretinho com o focinho, e ponta das orelhas, e as patinhas brancas. Ele até me reconheceu, papai. Ele me perguntou que dia ele vem aqui pra casa. O Roberto, parou de mastigar o sanduiche, olhou bem sério nos olhos do Francisco e mandou: - Quando você sonhar novamente com ele, diz pra ele que nunca, nunquinha, ele vem morar aqui, quem sabe ele não desiste de morar com a gente. Novo berreiro acabou com a paz no café da manhã. Luzia, para pacificar a casa, tratou de retirar os meninos da cozinha e levou-os para vestirem os uniformes da escola. O clima da semana começou sinistro. No carro Roberto ficou calado. Aliás, o silêncio era quase absoluto, só interrompido pelas fungadas de narizes dos meninos, do que sobrou dos choros. Deixados na escola, voltavam no carro para que o Roberto deixasse a mulher no trabalho e fosse para o escritório de advocacia, com uma semana cheia de trabalho no Fórum. Luzia resolveu interromper a paz do silêncio comentando com Roberto: - Meu bem, você não precisava falar daquele jeito para os meninos, eles ficaram muito magoados. Silêncio e mais silêncio. Até que ela pergunta, insistindo: - Você escutou o que eu falei, Roberto? Mais silêncio, até que ele, calmamente, mas firme, falou: - Isso tudo é culpa da sua ideia de ir lá olhar os cachorrinhos, que lindinhos. Podíamos muito bem ficarmos livres de um problema desse. Silêncio, e mais silêncio. Luzia, pensando bem na forma de apresentar sua réplica começou: - Sabe o que é, bem, é que na minha infância eu também queria tanto um cachorro, e meus pais nunca compraram um, apenas um, porque não podiam comprar, mas não é o nosso caso, nós podemos, podemos sustentar pelo menos um. Apenas o barulho do trânsito, até que Roberto comentou: - Vou pensar, não prometo nada, mas vou pensar. Só não me pressiona sobre isso, entendeu? Luzia abriu um sorrisão, encostou a cabeça no ombro do marido, e falou: - Tudo bem, amor, tudo bem. Segue-se o restante da semana e Luzia de olho nos meninos. Quando os gêmeos tentavam começar a história do cachorro novamente, ela piscava o olho para os meninos e gesticulava para ficarem de bico calado e, os garotos entendiam o recado, depois tentavam novamente. Foi terminando a semana e a história do cachorro Campeão ficou em banho-maria. No sábado, amanheceu um dia lindo, temperatura agradável, um céu de Brigadeiro, já no café surge uma ideia para preencherem o dia dos meninos. – Que tal darmos um passeio na Quinta da Boa Vista? Podemos até ir ao Zoológico. Roberto tinha outros planos. Queria levar o carro para lavar, dar um trato legal. Mas, como a semana tinha sido melhor que ele imaginava, achou melhor atender ao convite da esposa. – Tudo bem, vamos para a Quinta. Oba! Foi o grito da geral. E assim lá foram eles para a Quinta da Boa Vista, sem um roteiro muito bem definido. Ao entrarem na Quinta da Boa Vista, ali em São Cristóvão, ao encontrarem uma vaga para o estacionamento, quando foram saltar do carro com os gêmeos, imaginem, lá estava sentado, à frente do carro, um vira-lata, preto, com as pontas das orelhas, o focinho, a ponta do rabo e as patinhas brancas, balançando a cauda, como se esperasse pelas crianças. Os meninos saíram desabalados para se apegarem ao cachorro que pulava neles, lambias-os como se eles fossem seu dono de verdade. Roberto não acreditava no que estava vendo. A primeira coisa que falou: - Não é possível. Bem que eu queria levar o carro pra lavar. Não é possível. As crianças só gritavam: - Campeão! Campeão! E o prior veio a seguir: - Obrigado, papai, disse o Alfredinho. Você achou o nosso cachorro do sonho. Viva, o Campeão chegou! Roberto tentou colocar os meninos de volta no carro e fugir dali, antes que aquele encontro com o cachorro vira-latas acabasse mal para ele. Sem sucesso. A esposa também aderiu à ideia de que aquele encontro não era casual, mas coisa dos céus. Disse ela: - Está vendo, bem, os meninos têm razão, o Campeão veio ao encontro deles. Não podemos deixar o Campeão aqui. Vamos levá-lo logo, antes que apareçam outros interessados. Roberto tentou argumentar: Mulher, você está arrumando um problema sem tamanho para todos nós. Como vamos cuidar desse cão no apartamento? Ele está imundo, deve estar cheio de vermes, de pulgas, de sarnas. A esposa, agora cúmplice dos meninos, saiu com a solução imediata. – É mesmo, disse ela: vamos levá-lo agora para um veterinário, e cuidar com carinho do Campeão, e assim que ele estiver bem, levamos ele para  casa. Vocês não concordam meninos? Um coro, uníssono se fez, claro sem o som do Roberto, mas quem se importou. Conclusão, entraram todos de volta no carro, agora com um passageiro a mais, o Campeão, no banco de trás, com seu cheiro característico da rua, seu pelo seboso, mas com sua alegria de cauda frenética, entre os gêmeos, que era só alegria. Da Quinta da Boa Vista foram procurar uma clínica veterinária perto da casa do Roberto. O mau humor de Roberto foi se arrefecendo pela alegria da família. Na clínica o diagnóstico inicial foi de que o animal não estava tão ruim quanto o esperado. Exames clínicos, raios-X, exames de laboratório e complementares foram providenciados para que o animal pudesse ser liberado para a família. O Campeão foi deixado na clínica para as providências veterinária, e a família mudou o programa, foram parar num shopping, para almoçarem, e distraírem as crianças, que não falavam mais em outra coisa, a chegada do Campeão em casa. Quarta-feira seguinte Roberto recebeu o contato da clínica com a liberação do Campeão. Ele estava no trabalho, só podia passar na clínica ao final do dia, mas cometeu a tolice de passar um whatsapp para a esposa para dar a notícia. Pronto, o frenesi começou. A esposa se prontificou de ir buscar o Campeão de taxi. Não houve jeito de Roberto dissuadir a Luzia dessa ideia. Luzia, aproveitando que os meninos estavam na escola, foi de taxi à clínica buscar o Campeão e, para completar a surpresa, passou na escola dos meninos para pegá-los para irem juntos na clínica. Lá, depois de pagar no cartão de crédito os R$ 870,00 de exames, medicações e banho de beleza, recebeu instruções sobre os cuidados com a alimentação para com o Campeão, agora um membro da família. A clínica recomendou um treinador que, uma vez por semana, iria à residência do casal para instruí-los sobre os treinamentos para o cão se adequar ao ambiente, relacionamento com a família, e comportamentos adequados para o seu desenvolvimento. Assim, sem a presença do Roberto, ela combinou tudo, incluindo o treinador de cães, uma vez por semana. E saíram todos, Luzia e os meninos, no dia mais feliz para todos, o dia de levarem o Campeão para o apartamento de dois quartos, e cerca de 90 m². Aí começa mais uma jornada na vida da família, o dia do treinamento do Campeão, aos sábados, pela manhã. Roberto tentou escapar para um jogo de futsal com os amigos do trabalho, mas o treinador insistiu que toda a família deveria participar do treinamento do Campeão. Nenhum argumento de Roberto valeu, e ainda teve a ameaça da mulher, de ficar de mau humor se ele não participasse. E assim começaram os treinos do novo membro da família. Para complicar ainda mais a vida do Roberto, o cão obedecia mais aos comandos dele, que dos demais membros da casa. O cão se apegou mais a Roberto que propriamente dos meninos, que só queriam brincadeiras com ele. Ao final de um mês, o cão já realizava uma série de tarefas comandadas por Roberto. À ordem de bom dia, o cão sentava-se e levantava a pata direita para ser cumprimentado. Ao comando de deitado, prontamente respondia, e ainda fechava os olhos. Vigilante! O Campeão deitava rapidamente, de olhos bem abertos, em posição de ataque. Um sucesso completo. O pobre animal passou a ser exibido toda a vez que alguém chegava à casa da família, tendo que mostrar suas habilidades de cão bem treinado. Eis que, numa segunda-feira chuvosa, Roberto acordou atrasado para o trabalho e para deixar as crianças na escola. Depois da correria do café, tudo pronto, pegou a pasta executiva para sair e, quando passou pela cozinha, sentiu que alguma coisa o prendia ao chão, algo que prendia sua perna como uma algema, firme, tão firme que dava para sentir os dentes de uma fera, agarrado acima do tornozelo. Assustado, Roberto parou, gritou com o Campeão para soltá-lo. O cão liberou a perna de Roberto e, prontamente colocou-se sentado e, bem treinado levantou a pata direita, como se dissesse: - Bom dia, treinador! E assim ele ficou, até que Roberto se abaixou até o animal, e disse: - Bom dia, Campeão! Pronto, foi só alegria, o cão pulando pra todo o lado e as crianças fazendo a festa com o animal. A partir desse dia, todas as manhãs, o Campeão ficava esperando o bom dia do “treinador” Roberto. O Campeão virou uma celebridade na família.
26 set. 2019.

domingo, 20 de outubro de 2019


Perdeu, playboy!

O Zé mora numa subidinha em Jacarepaguá, um típico bairro família, aqui no Rio de Janeiro. O bairro já foi mais calmo, mais bucólico, agora já não é tão assim. Clima agradável, vizinhança amiga e, quando aparece algum estranho por lá todo mundo fica de olho. Numa certa manhã o Zé preparou no capricho duas sacolas plásticas, bem cheias, com muito cuidado, para que não se rasgassem ao transportar, ainda que fosse levar para perto de casa. Tudo pronto, Zé saiu de casa, trancou o portão e começou descer a ladeira vagarosamente. Era cedo, antes das seis da manhã. O sol começa a dar a sua cara, ainda preguiçoso, de mais um dia de inverso carioca. Sabe como é inverno carioca, é com a temperatura na casa dos 18°C, e já todo carioca tira o casaco com naftalinas do armário. Assim estava o Zé, paramentado para fazer sua obrigação. Fechou o portão e começou a caminhada ao seu destino. Não andava mais rápido porque a idade já não ajuda mais correria. Eis que, do nada, Zé escuta que vem alguém descendo atrás dele e, do nada, a pessoa arranca-lhe as duas sacolas carregadas por trás dele e desce correndo a ladeira. O Zé ficou sem ação. Não esperava por isso, nem teve reação para correr atrás do meliante. Só o ouviu gritar: Perdeu, playboy! O Zé parou sua descida e ficou olhando o meliante descer na desabalada carreira. Ao chegar ao pé da ladeira, há uns trezentos metros, se tanto, de onde estava o Zé, o pilantra de plantão resolveu colocar as sacolas no chão e abri-las para avaliar o valor do ganho, que não deveria ser pouco, considerando-se o peso que carregava. Qual não foi a surpresa do pilantra, dentro de uma e da outra sacola, apenas o lixo de casa, restos de comida, cocô dos cachorros, e outras porcarias, acumulados de uma semana. Depois de uma dezena de impropérios, e levantando as mãos, gesticulando de forma obcena para o Zé, que ainda estava parado na ladeira, o ladrãozinho de meia-tigela, jogou toda aquela porcaria numa caçamba da COMLURB estacionada na esquina, e seguiu em frente chutando uma garrafa PET, enquanto isso o Zé, virando-se para o alto da ladeira, foi retornando para o seu sossegado lar, sem antes se lembrar da primeira expressão que ouviu naquela manhã: Perdeu, playboy! E, sorrindo repetiu: É, você perdeu, payboy!
11 set. 2019.

Escritor tardio.

Por que escrever? Para quê deixar um registro impresso em tempos de WhatsApp? Fiz-me essas e outras perguntas na mesma linha de raciocínio, sem uma resposta para mim mesmo convincente.
Apenas uma angústia, que às vezes varava a madrugada sem resposta, até que, sem reconciliar o sono, me fazia levantar para ler. Lia de um tudo. Desde ciência política, a Bíblia Sagrada, meu livro de crença e fé, ou mesmo policiais, crônicas, contos ou, alguns periódicos, apenas para ocupar minha mente, e me trazer de volta o sono.
Outro dia, outra noite qualquer, tudo se repetia. Acordava para ir ao banheiro e, de volta à cama, o sono me abandonava. Surgia como um fantasma as mesmas lembranças, o mesmo desejo, o desejo de me lançar nessa aventura insana de escrever, e agora estou eu nesse delírio da escrita.
Procurei aprender algumas técnicas com consagrados escritores, lendo seus livros, prestando atenção em suas técnicas, de como eles estruturavam as ideias e pensamentos, como moldavam os cenários, como construíam os personagens.
Nenhuma ambição em particular. Em acertar da primeira vez, em encontrar um filão de inspiração que me envolva completamente. Em escrever um best-seller, mas muito medo, angústia mesmo, em perder tempo, de que já não disponho tanto, para construir um modelo de estilo próprio.
Se há algum desejo em particular, e há, é simplesmente de escrever, para deixar, se Deus me permitir, algumas ideias que tragam algum alento, ou mesmo riso interior para algum leitor. Por enquanto, é um exercício absolutamente solitário, de alguém que deseja construí um castelo, mas com medo de que ele desabe sem que se possa nele morar.
O título retrata exatamente o meu caso. Neste momento sou um aposentado, à beira dos setenta anos, depois de ter trabalhado por cerca de 55 anos, terminando a vida profissional no ensino superior, e pensei em ficar quieto em meu canto, apenas descansando e vendo o tempo passar. Estou descobrindo que, ficar descansando cansa. Cansa a mente, cheia de ideias, de histórias, de experiências vividas, de causos, aqui e acolá, que pretendo compartilhar.
Que gênero escolher para iniciar essa derradeira caminhada? Vou começar pelas crônicas, um gênero considerado menor dentro da literatura brasileira, e mesmo a universal, mas que foram brilhantemente utilizadas pelos grandes escritores da nossa língua, e da literatura universal.
Bem, decidido está. A partir desta introdução de apresentação iniciarei uma série de crônicas, sem um tema ou linha de assuntos definidos, como bem determina a técnica literária. Como encaro como um exercício mental, vamos nós nesta aventura, sem destino. Até onde? Não sei. Não quero saber, sigo em frente.
06 set. 2019.

sábado, 19 de outubro de 2019


O Amigo da Onça
O papo entre amigos acontecia sempre ao fim de tarde, lá na birosca do Carlinho, bem no fim da rua daquele bairro, lá pros lados de Campo Grande, no Rio de Janeiro. A turma jogava dominó, sinuca ou ficava apenas no balcão bebericando e jogando um quilo de conversa fora. Num desses dias, o papo virou gastronômico, o que cada um gostava mais de comer, além do churrasco e de qualquer comidinha do tipo 0800. Rolou de rabada, mocotó, siri, moqueca capixaba, até angu à baiana. Tinha de tudo para todos os gostos. A cerveja e a pinga correndo soltos. Até que em dado momento, Tião, já aposentado da RFFSA, lembrou-se da infância e dos frangos e galinhas caipiras que sua mão e fazia aos finais de semana de aniversários na família. A boca encheu-se d’água, e os olhos de Tião ficaram marejados de saudades daquele tempo. Ele reclamou que os frangos branquelos de supermercados nada tinham a ver com aquelas gordas galinhas, suculentas, de coxas grossas, da sua infância. A riqueza de detalhes que Tião trouxe para o papo, de como a mãezinha dele matava, depenava, colhia o sangue para o molho pardo, deixou o Carlinho sem jeito, com aquelas coxas de frango cheias de catchup, na vitrine. Passado mais uma rodada de cerveja e da pinga da casa, que o Carlinho jurava que não era pinga batizada, o papo mudou para o futebol e ganhou outro rumo. Já noite alta, passava pouco das vinte e duas horas, o Carlinho deu sinais de que queria fechar a birosca, cansado e já preocupado com a segurança do bairro. A galera foi levantando e, cada um foi tomando seu rumo. Quem tinha uma “merreca” no bolso tratou de quitar sua parte, quem não tinha, e não eram poucos, penduraram mais uma no prego da birosca, e foram saindo, cada qual para seu lar. Manhã seguinte, o Tião levantou-se cedo para comprar o jornal O Dia, para ver a colocação do seu Botafogo na tabela do Brasileirão, e sobre os próximos jogos. Ia tranquilo pela ruazinha, despreocupado, quando na outra calçada, em sentido contrário, vinha de lá o Bira, com um saco de farinha de trigo nas costas e, de relance o Tião percebeu que algo se movia lá dentro do saco. Para sua surpresa, o Bira atravessou a rua na sua direção, parou, cumprimentou o Tião com um saudoso e sonoro bom dia, e foi logo dizendo:
- Irmão, isso é para você, ia levar agora mesmo na sua casa. Só te peço uma coisa, não comenta com ninguém que arranjei uma penosa para você. Sabe como é, depois aparece um montão de gente querendo moleza. Aproveita, mata a saudade das galinhas que sua mãe fazia. Fiquei pra lá de comovido com a sua história, mas boca fechada.
O Bira passou o saco de farinha com a penosa dentro, para as mãos do Tião, não sem antes recomendar novamente: Bico fechado, e mete o pé.
Tião fez uma meia volta e partiu direto para casa, não sem antes agradecer emocionado o Bira, que balançou a mão como se dissesse: deixa pra lá. Assim que Tião entrou em casa, a mulher dele já foi logo falando: - Ué, já voltou? Tu nunca volta antes das dez. O que que tem nesse saco? Sem demora o Tião colocou o dedo indicador na boca e fez o sinal de bico calado. A mulher dele estranhou, mas seguiu o Tião até a cozinha e, quando abriram o saco de farinha, como por um milagre dos céus, eis que lá estava uma gorda galinha branca, toda ressabiada, vivinha e pronta para o abate. A mulher de Tião colocou as duas mãos na cintura e falou: - Ô Tião, onde você arrumou essa galinha, homem? Tião disse que foi um presente. Presente de um amigo, o Bira, lá da turma da Birosca do Carlinho. Presente? Tu não tá de aniversário. Que história é essa? Tião, sem demora advertiu a mulher para ficar de bico calado, que foi recomendação do Bira, para a turma não ficar pedindo nada pra ele. Tudo bem, pensou a mulher, mesmo assim meio desconfiada. E foram para os trabalhos, matar a gorda galinha do presente. Para não alertar os vizinhos o Tião, mesmo com pena da penosa, deu-lhe uma torcida esperta no pescoço da cuja, e a pobre ave passou desta para aquela situação de abatida. Depois de escaldada e depenada, o resto foi moleza, temperos, fogão e esperar a hora de saborear a gordinha de penas, lembrando-se da mãezinha e da infância, com os olhos marejados, mas um sorriso de orelha a orelha. A vontade deles era tanta, que a metade dela foi no almoço, o restante na janta, com direito de roer os pés da penosa. Acabado o jantar, como sempre fazia, Tião foi se saindo para encontrar a turma lá na Birosca do Carlinho. Foi chegando perto da turma e percebendo que havia um clima sinistro no ar. Papo baixinho, um olhando para o outro e, Tião já ficou ressabiado. – Ué, que que houve por aqui galera, alguém morreu? – perguntou o Tião. Morreu sim, disse o Carlinho colocando a cerveja do Tião. – Quem morreu, gente? - insistiu o Tião. Carlinhos continuou: Bem, acho que morreu, não temos certeza, mas a galinha de raça do Paulão, aquele da estiva, que cria umas galinhas lá no quintal dele, disse que desapareceu, não deixou nem uma pena para trás. Ele reclamou que era sua melhor ave. Tinham outras galinhas, mas sumiu exatamente a melhor delas. Ele acha que alguém passou a mão leve por lá, mas disse que vai descobrir, custe o que custar. Tião engoliu seco, tossiu, passou a mão disfarçada na boca, para ver se não tinha nenhum vestígio da penosa e, num gole só tomou o copo todo da cerva. O Carlinho estranhou o gesto e comentou: - Cara, tu tava seco, é? Se controlando o Tião rebateu: - Muito chato uma parada dessa. Vai ver a penosa se mandou com algum galo. Ou sei lá, um gambá pegou ela de jeito, ou então um gavião faminto, sabe como é, a coisa não tá boa nem para o mundo animal. Carlinho coçou o queixo, como se pensasse nas ideias do Tião: - É gamba pode ser. Mas cadê as penas? Não tinha pena nenhuma no galinheiro. A galinha se entregou sem brigar? Estranho. Fugir com o galo? O galo está lá, triste e nem cantou hoje de manhã. E gavião à noite, nunca ouvi falar. Tião sentiu que suas ideias não estavam colando muito bem, e arrematou: - Sei lá gente, é apenas uma ideia. De qualquer forma o jogo de sinuca e o dominó não rolou como sempre. Ficou aquele papo meio sinistro se isso ou aquilo, o que faria o Paulão se soubesse que alguém da rua tivesse, por acaso, afanado a galinha dele. Tião sentiu aquele friozinho na espinha, e deixou de dar ideias, para que ninguém desconfiasse que em sua barriga já descessem partes daquela ave adorada por outrem. Neste dia o Carlinho nem precisou dar um toque na turma para fecharem as contas, que ele queria fechar para assistir o jogo do seu mengão em paz. Todos foram saindo, despedindo-se em voz baixa, como se saíssem de um velório mesmo. Tião chegou em casa, chamou a mulher no quarto, e falou baixo: - Mulher, arruma as malas, amanhã de manhã vamos passar uns dias lá na casa de sua mãe em Madureira. A mulher de Tião levou um susto. – Ué, que foi viu assombração? Você não gosta da mamãe, nem gosta de ir lá, quanto mais passar uns dias por lá. O que que houve, conta essa história? – Não houve nada, mulher. É crise de consciência, pensei bem hoje, você fica sozinha, com saudades de sua mãe e a gente quase não vai lá, e a culpa é minha. Não discuta, é para o bem da família, ficamos lá uns cinco dias, e pronto, ela não vai reclamar mais que a gente não vai lá. A mulher de Tião engoliu, mais ou menos a história, e abriu um sorrisão daqueles, que bom passar uns dias na casa da mamãe. Cinco e meia da manhã, nem o sol tinha acordado, e o Tião já tirava a Vemaguete 67 da garagem, para se mandar para a casa da sogra, torcendo para ninguém vê-lo saindo, muito menos o Paulão, o dono da penosa.
12 set. 2019.
Começo hoje um novo projeto pessoal.

Ainda não domino perfeitamente, ou melhor quase nada, deste espaço de mídia social, o blog, mas vou aprendendo enquanto ando, como o andar de uma criança, como eu agora. Já não tenho tanto tempo para ficar aprendendo primeiro para então começar a andar. Vou engatinhando, tropeçando aqui e acolá, corrigindo uma coisa e outra, enquanto sigo nessa nova jornada.
Começo hoje publicando algumas coisas que estou escrevendo, um dia uma crônica humorística, de alguma história da memória, vivida por mim ou não, ou mesmo de pura ficção. Outra hora vou partir para um conto, que também pode ser baseado em reminiscências de minha infância ou juventude, ou no relato de alguém que cruzou meu caminho. Em outro momento, pode ser uma crônica do cotidiano, com alguma reflexão pessoal. Vou navegar, assim que a memória se sentir inspirada pela trilha da poesia, tudo sem nenhuma obrigação com volume, ou mesmo uma qualidade rebuscada de estilo. Apenas, e tão somente, quero escrever, para continuar usando o meu cérebro, meu senso de julgamento e, principalmente, minha capacidade de contar histórias. Parece muito? Nada mais que isso. Se dessa produção intelectual surgir algum livro, tudo bem. Se apenas se tornar um espaço de esforço intelectual, tudo bem. também.
Aos leitores, que acharem por bem algum comentário enriquecedor, na medida do tempo, poderei retornar com algum comentário.
Àqueles, que se manifestarem de forma grosseira e estúpida, como é comum nos dias de hoje, nada comentarei. Farei como citou um certo monge do Tibet: Se você se aborrecer, significa que a ofensa que foi feita, agora é sua. Como não pretendo ficar com nenhuma delas, vou ignorá-las, simplesmente.
Bora escrever e publicar.
E que Deus me abençoe neste novo projeto.

Laranjas descascadas O tempo passa depressa demais, sem nosso controle, por mais que tenhamos os olhos postos nos relógios, ou mesmo...